Os incêndios florestais<br>– por trás das chamas…

João Dinis

À frente do fogo, a en­frentar o pe­rigo en­con­tramos os ho­mens e as mu­lheres das zonas afec­tadas e, claro, os Bom­beiros e ou­tros ope­ra­ci­o­nais.

E por trás das chamas, que po­de­remos nós en­con­trar, se o «fumo» da pro­pa­ganda ofi­cial e ofi­ciosa e a «pressão» da grande co­mu­ni­cação so­cial não nos ce­garem os olhos e não nos in­to­xi­carem o cé­rebro?

Há pouco tempo, a Fe­de­ração Na­ci­onal de Bal­dios – Ba­ladi, es­crevia: «Os in­cên­dios flo­res­tais não se com­batem com pas­se­atas mi­nis­te­riais nem com charme me­diá­tico. Com­batem-se com po­lí­ticas agro-flo­res­tais de pre­venção, or­de­na­mento e pla­ne­a­mento flo­res­tais». Acer­tava na «mouche» essa or­ga­ni­zação… já no «res­caldo» do con­su­lado da ex-mi­nistra As­sunção Cristas e do an­te­rior go­verno.

As po­lí­ticas im­postas pela PAC, Po­lí­tica Agrí­cola Comum, e por ou­tros «acordos» in­ter­na­ci­o­nais e as er­radas op­ções no plano na­ci­onal, a po­lí­tica de di­reita dos úl­timos 30 anos, de­ter­mi­naram a ruína da agri­cul­tura fa­mi­liar e do nosso mundo rural e o êxodo (for­çado por ra­zões sócio-eco­nó­micas) das po­pu­la­ções ru­rais. Neste pe­ríodo foram feitas de­sa­pa­recer cerca de 400 mil pe­quenas e mé­dias ex­plo­ra­ções agro-flo­res­tais e re­du­zida, em cen­tenas de mi­lhares de hec­tares, quer a su­per­fície agrí­cola útil quer a uti­li­zada.

Em nome do cha­mado mer­cado, plan­taram cen­tenas de mi­lhares de hec­tares de flo­resta in­dus­trial, in­ten­siva e mo­no­cul­tural, em que o eu­ca­lipto para pasta de papel é a es­pécie ar­bórea que já ocupa mais área. Se con­ti­nu­arem a fazer-lhes as von­tades, as Ce­lu­loses podem em breve pro­mover uma «festa» para co­me­mo­rarem o (pri­meiro) mi­lhão de hec­tares plan­tado com eu­ca­lipto «prá fá­brica»…

O preço da ma­deira na pro­dução – eu­ca­lipto e pinho – está hoje, como há dez anos, numa média de 30 euros a to­ne­lada, ao alto na mata, e a 40 ou 45 euros a to­ne­lada à en­trada da fá­brica (ce­lu­lose ou aglo­me­rados) – o que, no mi­ni­fúndio, im­pede qual­quer ve­lei­dade para se ter a «gestão ac­tiva da flo­resta», por mais «ZIF, Zonas de In­ter­venção Flo­restal» que se en­xertem no ter­reno.

O preço da ma­deira à pro­dução con­tinua sendo o mais in­flu­ente ele­mento es­tru­tu­rante da flo­resta, e como anda por baixo há muito tempo, a nossa flo­resta tem-se «de­ses­tru­tu­rado». En­tre­tanto, das áreas ar­didas só uma pe­quena parte foi re­flo­res­tada e, desta, só uma pe­quena per­cen­tagem o foi com o pi­nheiro bravo que por lá havia antes do in­cêndio, e menos ainda com as es­pé­cies au­tóc­tones, car­va­lhos, cas­ta­nheiros ou ou­tros.

Com preços tão baixos à pro­dução como en­carar a lim­peza re­gular das matas, pelo menos de cinco em cinco anos – quando isso pode re­pre­sentar um custo até mil euros por hec­tare?

Du­rante 2003 houve o re­gisto re­corde de 26219 in­cên­dios flo­res­tais e ar­deram cerca de 423 mil hec­tares, dos quais 286 mil com ár­vores. Muito perto, em se­gundo lugar, está 2005, ou seja, no es­paço de três anos se­guidos ardeu quase um mi­lhão de hec­tares, mais de um quarto da área flo­restal do nosso País. Uma ca­la­mi­dade trá­gica do ponto de vista eco­nó­mico e am­bi­ental e também hu­mano.

Aqui, en­tramos no do­mínio na falta de um cor­recto Or­de­na­mento Flo­restal. A «Lei de Bases da Po­lí­tica Flo­restal», que ob­teve um amplo con­senso, tem 20 anos. Porém, os seus Planos Re­gi­o­nais de Or­de­na­mento Flo­restal es­ti­veram anos «con­ge­lados» por su­ces­sivos go­vernos. Agora estão a ser «des­con­ge­lados» – fi­nal­mente – mas com a es­cassez da verba ofi­cial que para isso está des­ti­nada, teme-se pelo qua­li­dade real do tra­balho que daí venha a re­sultar. Teme-se até que vá­rios desses «PROF» ve­nham agora le­gi­timar aquilo que já está mal no ter­reno.

Ig­no­rando todas as sis­te­má­ticas po­si­ções to­madas ao longo de dé­cadas por vá­rias or­ga­ni­za­ções agro-flo­res­tais e am­bi­en­tais e pelo PCP, su­ces­sivos go­vernos – na pressão me­di­a­ti­zada dos in­cên­dios – deram pri­o­ri­dade ao com­bate aos in­cên­dios e des­cu­raram a pre­venção. Gastou-se vinte ou mais vezes mais di­nheiro em meios de com­bate, com des­taque para os «es­pec­ta­cu­lares» meios aé­reos, do que em ac­ções or­ga­ni­zadas de pre­venção. É um erro es­tra­té­gico, ver­da­dei­ra­mente «in­cen­diário», essa des­pro­porção entre re­cursos pú­blicos.

Sa­li­ente-se que o an­te­rior go­verno cortou cerca de 200 mi­lhões de euros no PRODER (re­pro­gra­mação de 2012) que, de início, se des­ti­navam a in­ves­ti­mento pú­blico na flo­resta, in­cluindo em ac­ções de pre­venção de in­cên­dios. Es­pera-se que o ac­tual Go­verno não faça o mesmo no PDR, Pro­grama de De­sen­vol­vi­mento Rural, o PDR 2020, e que, ao invés disso, atribua (na PAC) ajudas aos pe­quenos e mé­dios pro­du­tores flo­res­tais para estes lim­parem as suas matas através de pro­jectos des­bu­ro­cra­ti­zados e aí te­remos um bom e opor­tuno es­tí­mulo fi­nan­ceiro à pre­venção dos in­cên­dios flo­res­tais!

Este ano, abateu-se o «in­ferno» sobre di­versas re­giões, com mais in­cên­dios flo­res­tais em 15 dias do que em dois anos. Claro que as con­di­ções cli­ma­té­ricas ad­versas con­tri­buíram para isso, mas é este o clima es­tival que temos na maior parte dos anos, e con­ti­nu­amos a ter uma flo­resta do tipo me­di­ter­râ­nico. Por­tanto, por aí não há sur­presas.

É certo haver in­te­resses ilí­citos a pro­vocar o fla­gelo. Houve a pressão imo­bi­liária no es­paço ur­ba­ni­zável e vol­tará a havê-la logo que a ac­tual «crise» abrande. Houve o in­te­resse em subs­ti­tuir pi­nhal por eu­ca­liptal. Houve e há al­guns «ne­gó­cios» com a ma­deira quei­mada. To­davia, é fun­da­mental não con­fundir o des­cuido hu­mano no atear de um in­cêndio com o in­te­resse eco­nó­mico cri­mi­noso. De­cla­ra­ções como as do pre­si­dente da Liga de Bom­beiros que fala em ter­ro­rismo, ou do se­cre­tário de Es­tado da Ad­mi­nis­tração In­terna que fala da in­dús­tria dos fogos que dá di­nheiro a muita gente, sem terem con­sequên­cias, só servem para ali­mentar uma «con­fusão» que tem sido de­li­be­ra­da­mente feita para jus­ti­ficar o uso de meios de re­pressão (em vez da pre­venção).

A nossa flo­resta – que toda a gente con­si­dera im­por­tan­tís­sima – con­tinua é a ser ne­gli­gen­ciada pelas po­lí­ticas agro-flo­res­tais.

 



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